Representação dos trabalhadores nas comissões tripartites é essencial, mesmo com dificuldades de recursos

Representação dos trabalhadores nas comissões tripartites é essencial, mesmo com dificuldades de recursos

O engenheiro de segurança Robinson Leme, 52, atuante no movimento sindical, especialmente junto aos trabalhadores da construção, e também em diversas comissões tripartites na área de SST, tinha 28 anos quando ingressou no sindicato dos trabalhadores da construção em Araras/SP. Em 1999 entrou na Feticom-SP como diretor de SST, onde trabalhou intensamente até 2019. Para acompanhar as demandas e oportunidades que chegavam, ele fez curso Técnico em Segurança do Trabalho, especialização em Higiene Ocupacional (tinha graduação em Administração de Empresas), e mais tarde cursou Engenharia de Agrimensura e Segurança do Trabalho. Paralelamente à Federação, muito ativa por melhores condições de trabalho nos canteiros de obras, engajou-se no Comitê Permanente Regional da Construção-SP, do qual foi coordenador por oito anos e desde 2016 representa a bancada dos trabalhadores na CTPP pela NCST (Nova Central Sindical de Trabalhadores).

Foto: Arquivo Pessoal

Com uma trajetória profissional que se mescla à evolução da SST no país, especialmente ao setor da construção, Robinson traz a sua visão sobre as NRs recentemente publicadas, o enfraquecimento dos sindicatos e suas preocupações sobre o futuro da SST. Sem receber mais recursos da Federação ou da NCST ele segue na luta dedicando-se a sua consultoria em Segurança do Trabalho e às leituras técnicas relacionadas às NRs devido ao processo intenso de revisões e reuniões.

Você tem uma trajetória de duas décadas no meio sindical ligada à saúde e segurança dos trabalhadores da construção. Qual era o cenário de SST no setor quando você entrou na Feticom-SP?

Quando iniciei na Federação dos Trabalhadores na Indústria da Construção e do Mobiliário do Estado de São Paulo, em 1999, a taxa de mortalidade a cada 100 mil trabalhadores na indústria da construção era de 38,84 no Brasil e 36,27 no Estado de São Paulo. Em 2017, a taxa de mortalidade estava em 12,34 para o Brasil e 8,57 para o Estado de São Paulo. Ou seja, uma mudança muito significativa nesses 20 anos em relação ao número de óbitos no setor, e essa evolução tem, sim, a contribuição da atual NR 18. Mas não podemos pensar que esses números são bons. Convivemos com o número de fiscalizações nos locais de trabalho reduzindo a cada dia, alterações na legislação trabalhista dificultando a atuação da auditoria fiscal do trabalho, número reduzido de auditores fiscais e a Reforma Trabalhista de 2017, que acabou com a fonte financeira dos sindicatos. No caso dos sindicatos do setor da construção sempre atuamos no acompanhamento da melhoria das condições de SST nos canteiros de obras. Podemos dizer que foi um grande avanço a redução significativa de mortes neste setor. Em 1999 quando iniciei na SST, ainda tínhamos muitos gargalos na implementação da NR 18, cuja revisão tinha sido em 1995, além de críticas em relação há vários itens da norma que mais se pareciam com um check list tornando o texto engessado. Trabalhei na criação de CPRs Regionais, que foram uma bandeira da minha coordenação, mas não posso deixar de lembrar do apoio do Sinduscon/SP, especialmente do engenheiro Haruo Ishikawa, diretor na época e atual presidente do Seconci-SP e da engenheira Regina Célia Zanella. Isso porque para a constituição dos CPRs Regionais era preciso que, não só os sindicatos dos trabalhadores, como as Regionais do Sinduscon-SP e também as Gerências Regionais do Ministério do Trabalho, estivessem interessadas. Somente assim poderíamos ter as representações tripartites, e essa mediação, na maioria das vezes, era feita pelo engenheiro Antônio Pereira do Nascimento, auditor-fiscal do trabalho e coordenador do Programa de SST da Indústria da Construção no Estado de São Paulo.

Com uma atuação ativa na Feticom e também no CPR-SP você deve ter muitas histórias, evoluções no setor e que trouxeram melhorias para o trabalhador. Você lembra de alguma?

Trabalhei muito nos itens que tratam de andaimes e plataformas de trabalho, gruas, elevadores, escavação de tubulão a céu aberto, impermeabilização, sistemas de ancoragem para equipamentos como andaimes e cadeiras suspensas, cabos de fibra sintética (cordas), Plataforma de Trabalho Aéreo, cesto suspenso, que hoje está no Anexo XII da NR 12. Alguns outros itens, lamentavelmente, acabaram não indo para o texto da norma, como no caso dos sistemas de proteção para alvenaria estrutural; transporte, armazenagem e manuseio de vidros; moldagem, desmoldagem e transporte de estruturas pré-moldadas e serra circular de bancada. Porém, o que mais me marcou foram as alterações pontuais que ocorreram para a proibição de utilização do elevador tracionado com cabo único, que teve sua vida prolongada até 9 de maio de 2017, porém com uso limitado às obras de até 13 pavimentos e somente para o transporte de materiais. O fim deste tipo de equipamento já vinha se arrastando desde agosto de 2011, quando da ocorrência da queda de um elevador em Salvador/BA que vitimou nove trabalhadores. Essa discussão foi feita no CPN [Comitê Permanente Nacional da Indústria da Construção] e eu estava como assessor técnico da bancada dos trabalhadores. Através da Portaria n° 644, de 9 de maio de 2013, foi permitido por dois anos, a utilização dos elevadores tracionados com cabo único para o transporte de passageiros, período dado para que as construtoras pudessem se organizar e não termos falta de elevadores de cremalheira no mercado. Depois, com a Portaria n° 597, de 7 de maio de 2015, prorrogamos para mais dois anos somente para a movimentação de materiais e acabamos chegando à sua proibição. Outro item interessante foi o da PTA, em que houve uma solicitação do SESMT da Petrobras, da Refinaria de Paulínia, para uma alteração da NR 18, que possibilitasse a movimentação de pessoas com equipamento de guindar através do cesto suspenso. Após visita aos equipamentos da empresa (guindaste e cesto suspenso) e muita discussão entendemos que seria uma movimentação de alto risco. Então por meio de uma sugestão da ALEC [Associação dos Locadores de Equipamentos para Construção Civil] elaboramos a proposta da PTA que foi discutida, aprovada no CPN e publicada em 2008.

Qual sua avaliação do ontem e do hoje no que se refere ao envolvimento dos sindicatos com a prevenção? Como ficou a situação após a retirada da contribuição compulsória?

A minha Federação tinha uma atuação histórica e ativa, não somente no apoio ao funcionamento do CPR/SP e dos CPRs Regionais, mas também na realização de cursos de Segurança e Saúde do Trabalho para os sindicatos filiados e trabalhadores das bases dos sindicatos. Tínhamos também a importante participação do Jairo José da Silva, secretário da Feticom-SP na época, que foi coordenador do CPN, representando num primeiro momento, a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria e depois a NCST. Com o fim do imposto sindical nossos recursos findaram, nos impossibilitando de continuar com toda e qualquer ação. Ainda temos sindicatos que fazem esse trabalho, como o Sindicato de Jundiaí, Piracicaba, entre outros, porém a ação sindical foi muito prejudicada com o fim da contribuição compulsória. Para você ter uma ideia, não recebo nenhum recurso (salário ou pagamento de despesas) da minha Federação e muito menos da NCST, para representar os trabalhadores na CTPP ou em qualquer outra discussão ou participação que faço pelas entidades. Participo porque sei que somente através do diálogo social e da defesa técnica que tenho feito em todas as revisões das Normas Regulamentadoras é que vamos conseguir a evolução necessária para a melhoria dos ambientes de trabalho e da qualidade de vida, com a consequente redução dos índices de acidentes e doenças do trabalho. Todas as participações atualmente estão sendo por teleconferência, mas nem minha internet é reembolsada, e olha que foram muitas reuniões desde o início da pandemia, mais de 70. Participo por minha convicção e pelas futuras gerações de trabalhadoras e trabalhadores, para que eles possam ter uma legislação justa de SST e que proteja com eficiência suas vidas em seus ambientes de trabalho.

Você faz parte da CTPP representando a NCST na bancadas dos trabalhadores. Qual sua percepção sobre o trabalho desta Comissão e o atual processo de revisão das NRs?

Participo da CTPP desde junho de 2016. A Comissão é o principal fórum, é ela que baliza a discussão de Segurança e Saúde do Trabalho no Brasil em alto nível técnico e político. É a forma da sociedade e dos trabalhadores estarem inseridos neste contexto. A discussão tripartite é muito desafiadora, os interesses são comuns: a melhoria dos ambientes de trabalho. Porém, a forma como será exigido que as partes cumpram as determinações, na maioria das vezes, pode ser conflitante entre as bancadas, inclusive a do governo. Na discussão tripartite nem sempre se aprova o que é melhor, mas, se aprova o que é tecnicamente possível de ser implementado. Sempre digo que “a saúde não se negocia”, negociamos o prazo para a implementação das melhorias dos ambientes de trabalho e a forma de mitigarmos e controlarmos os riscos ocupacionais. Particularmente estou com uma expectativa positiva sobre as revisões das Normas Regulamentadoras, há muitos avanços. Ainda existe um certo ar de desconfiança quando nas revisões e nas harmonizações vários itens acabam sendo excluí­dos porque já são referidos em outras normas ou em legislações como na CLT. Mas é preciso entender que estamos nos alinhando com as normas mais modernas de SST do mundo e que o avanço em nossa legislação está sendo enorme, não havendo necessidade de itens como o fornecimento de EPI ou a segurança do trabalho em altura serem citados em todas as normas setoriais. Só citaremos se houver necessidade específica. Quando imaginávamos que íamos chegar a este patamar de melhoria contínua de SST nos ambientes de trabalho com o Gerenciamento de Riscos Ocupacionais, o GRO? Sem falar de outros itens que foram para o texto da NR 1 como o direito de recusa, a hierarquia das medidas de proteção, a investigação e a análise de acidentes, o plano emergencial, a participação dos trabalhadores nas discussões de SST.

Em agosto as novas NRs 1, 7, 9 e 18 foram prorrogadas para entrar em vigor só a partir de janeiro. Qual o motivo do adiamento?

Fiquei frustrado em relação à NR 18. Temos vários itens que também têm prazos para entrar em vigor após a vigência da norma e isso vai se protelando, prejudicando a melhoria da segurança e saúde dos trabalhadores. Poderia citar como exemplos o fim do tubulão pressurizado, a climatização de equipamentos de guindar e máquinas autopropelidas, as escadas com exigência de degraus antiderrapantes, a restrição de escavação manual de tubulão a céu aberto, além de outros itens que poderiam estar sendo implementados, como o de elevadores e equipamentos de guindar. Mas a prorrogação foi necessária pelo fato de que todas as NRs estão se harmonizando, como é o caso do PGR que está intimamente ligado à NR 18, mas também pela necessidade de publicação da NR 17. Essas NRs são estruturantes e precisam ter suas vigências sincronizadas.

O MPT ajuizou ação civil pública relativa à NR 1 questionando o tratamento diferenciado para micro e pequenas empresas de grau de risco 1 e 2. Da forma como está, os trabalhadores destas empresas sairão prejudicados? Qual sua opinião?

O tratamento diferenciado tanto para as MEIs, como para as MEs e EPPs é um ponto que é preciso entender bem, especialmente, a aplicação do item 1.8 da NR 1. Em nenhum momento esses trabalhadores vão ficar descobertos pelas NRs. Esta questão a bancada dos trabalhadores entendeu bem e não abriríamos mão de proteger nossas trabalhadoras e trabalhadores, caso entendêssemos que fosse prejudicial. Não adianta nada ter a exigência do PPRA, ou a partir de janeiro de 2022 do PGR, para empresas de grau de riscos 1 e 2, que não possuem riscos físicos, químicos ou biológicos, e do PCMSO, caso estas empresas também não possuam exposição a agentes ergonômicos. Será um papel que não terá finalidade nenhuma, como acontece hoje com o PPRA para as empresas que não têm esses riscos. A organização compra um monte de folhas, control c, control v, onde está descrito um pseudo documento registrando que não foi identificado nenhum risco físico, químico ou biológico nas fases de antecipação e reconhecimento e que por isso não será prevista nenhuma prioridade ou meta de avaliação e controle. Se os riscos não existem, o documento não terá nenhuma finalidade para a organização ou para os trabalhadores, ficará na gaveta. Agora essa dispensa só será possível se as MEs e EPPs declararem as informações de forma digital à SEPRT e aí é que está o avanço, porque enquanto esses documentos estão na gaveta, a fiscalização não chegará lá, mas quando for declarada a inexistência de riscos, esta informação poderá ser cruzada com o CNAE das organizações e de forma eletrônica, a organização poderá ser fiscalizada. Sabemos que algumas empresas graus de risco 1 e 2 possuem riscos físicos, químicos ou biológicos, além de exposição aos fatores ergonômicos, porém, o fato de elaborarem o PPRA, PGR ou PCMSO por si só não garante a implementação das medidas de SST. Só que no momento em que as informações forem digitais, e já com as fichas de segurança das MEIs publicadas, a nossa expectativa sobre este controle aumenta. Só esperamos que esses itens da NR 1 sejam implementados pelo governo conforme está na norma. A partir de 3 de janeiro de 2022 será preciso muita atenção das organizações que contratam MEIs, até porque caberá a elas todos os controles e ações de SST destas empresas, conforme o item 1.8.1.1 da NR 1. Tenho a convicção que em nenhum momento esses trabalhadores ficarão expostos aos riscos ocupacionais, até porque o item 1.8 garante a segurança e a saúde dos trabalhadores e resolve um problema técnico, ou seja, se não há risco ocupacional, porque exigir documentos que não agregaram em nada aos trabalhadores?

Qual o maior mérito da nova NR 1?

Em minha opinião a NR 1 ficou perfeita e irá colaborar para a melhoria dos ambientes de trabalho bem como para a redução dos acidentes e doenças do trabalho [veja os itens destacados pelo entrevistado no box Melhorias na NR 1, no QR Code ao final da entrevista]. Todos esses pontos são grandes avanços, porém, se não houver fiscalizações, o GRO/PGR continuará sendo um documento de gaveta como é atualmente o PPRA. Para isso, cabe ao governo investir na contratação de auditores-fiscais do trabalho e também em sistemas inteligentes que cobrem informações eletrônicas das organizações, cruzando os riscos ocupacionais a que estão expostos os trabalhadores com a atividade da organização e com as medidas de controle implementadas. Identificadas as divergências, essas organizações seriam notificadas eletronicamente para apresentarem seu GRO/PGR, bem como autuadas, caso não cumpram as exigências mínimas das NRs.

E no caso da NR 18? O que ela traz de melhor?

A NR 18 manteve sua essência que foi priorizar as medidas de proteção coletiva. Ela também foi harmonizada com as demais NRs, principalmente com as NRs 1, 10, 12, 33 e 35, que envolvem questões de extrema importância para a gestão de riscos como eletricidade, espaços confinados e trabalho em altura. Outro ponto importante foi a exigência de projetos para as áreas de vivências, bem como os projetos do SPIQ [Sistema de Proteção Individual Contra Quedas]. E isso será para todas as obras, sendo que no PCMAT, ficava uma lacuna sobre a necessidade de possuir ou não projetos das proteções coletivas das obras que não tinham o Programa. Até porque, independentemente do número de trabalhadores, todas as obras terão que elaborar e implementar o PGR. Extremamente inteligente foi a criação do Anexo I, sobre capacitação trazendo carga horária, periodicidade e conteúdo programático para as capacitações da NR 18. Acredito que sua maior evolução foi deixar de ser um check list e passar a ser uma norma de gestão possibilitando, inclusive, a adoção de soluções alternativas às medidas de proteção aplicáveis ao tipo de obra e à tecnologia disponível no momento de execução do empreendimento. A norma está deixando as questões técnicas para as normas técnicas, às quais já estão buscando se atualizar, como é o caso das redes de segurança, guarda-corpos temporários e andaimes. Quanto ao que poderíamos ter evoluído, acho que poderíamos ter deixado para as normas da ABNT as questões técnicas dos sistemas de ancoragem e sistemas de restrição e retenção de quedas para os SPIQ e ter tratado das proteções contra capotamento e quedas de materiais nos equipamentos autopropelidos. Dúvidas ainda irão aparecer, até porque a indústria da construção é dinâmica e a evolução tecnológica do setor tem sido rápida em relação às metodologias construtivas.

Melhorias na NOVA NR 1

Os principais itens que melhoram na NR 1 são:

  • direito de recusa do trabalhador em paralisar suas atividades em situações de grave e eminente risco, com base no artigo 13 da Convenção Internacional do Trabalho nº°155 (Segurança e Saúde dos Trabalhadores e o Meio Ambiente de Trabalho);
  • exigência de elaboração e implementação dos planos de emergência por meio dos quais a organização tem de prestar atendimento aos trabalhadores vítimas de acidentes de trabalho;
  • obrigatoriedade da organização em investigar todos os acidentes e doenças do trabalho;
  • participação dos trabalhadores nas questões que envolverão a segurança e saúde do trabalho na organização;
  • acompanhamento das fiscalizações de Segurança e Saúde do Trabalho pelos sindicatos laborais;
  • confirmação de que os EPI são o último recurso como medida de prevenção, tema que foi “ponto de honra” da representação dos trabalhadores;
  • itens que determinam a hierarquia das medidas de proteção;
  • regras mínimas para os cursos EaD e semipresenciais, os quais estavam sendo aplicados sem nenhum critério didático ou pedagógico;
  • exigência que todos os cursos de Segurança do Trabalho tenham responsável técnico e instrutores com proficiência;
  • exigência de fornecimento de certificado também aos trabalhadores nos cursos de Segurança do Trabalho;
  • mudança do termo “empresa” para “organização”, que tem como finalidade a inclusão das terceirizadas no complexo empresarial;
  • obrigatoriedade da organização em elaborar e implementar o PGR (Programa de Gerenciamento de Riscos) com base nas medidas mínimas de proteção exigidas em todas as NRs.

Replicado de: https://www.protecao.com.br/destaques-da-revista-protecao/entrevista-pelas-futuras-geracoes-ed-357/


Heitor N. Morais